quarta-feira, 31 de agosto de 2011

História da Arte - um contributo fundamental da Química


"CRISTO E A MULHER ADÚLTERA",
QUE CHEGOU A SER ATRIBUIDO
A JOHANNES VERMEER, NÃO
PASSA DE UMA FALSIFICAÇÃO


SEGREDOS DA HISTÓRIA DA ARTE
Expresso/Atual, 2011.Agosto.20 | Virgílio Azevedo
João Peixoto Cabral, pioneiro na aplicação em Portugal de métodos nucleares na investigação em arqueologia e nos estudos de história da arte, lança, aos 83 anos de idade, uma obra única a nível internacional: ”A Radioactividade - Contributos para a História da Arte"
Aos 83 anos, João Pei¬xoto Cabral lançou-se num projeto ambicio¬so: fazer um manual que explicasse ao mes¬mo tempo ao público em geral, aos estudan¬tes e aos peritos – de uma forma exaustiva, rigorosa, profusamen¬te ilustrada e com exemplos concretos – o papel decisivo da radioatividade na história da arte. A tare¬fa não era fácil, porque ninguém tinha feito em Por¬tugal ou a nível internacional uma obra desta enver-gadura. Mas o professor jubilado de Radioquímica do Instituto Superior Técnico (IST) não tinha pressa e demorou três anos a completar o seu projeto.
"A Radioactividade - Contributos para a Histó¬ria da Arte", lançada recentemente pela IST Press, é uma obra monumental, com quase 500 páginas, on¬de estão em destaque os métodos de datação de pin¬turas e esculturas deixadas por gerações de artistas talentosos ao longo de séculos e milénios. Dividida em duas partes - 'A Radioactividade' e 'Contributos para a História da Arte' –, o livro aborda a radioativi¬dade natural e artificial, os processos de decaimento radioativo, a interação das radiações com a matéria, a datação com base na radioatividade da arte paleolí¬tica, a autenticação de obras de arte – desde as pin¬turas de cavalete às esculturas em terracota, cerâmi¬ca ou metal. E o seu exame por irradiação de neu¬trões, onde a aplicação da chamada autorradiogafia às pinturas de Van Dyck, Rembrandt ou Vermeer, permitiu descobrir detalhes sobre os seus esboços originais, alterações feitas ao longo da execução das suas obras, enfim, o que passou pela mente destes pintores geniais no processo de criação artística.
O prestigiado físico nuclear alemão Joseph Ma¬gill, do laboratório europeu Joint Research Centre, interessou-se pelo livro e apoiou o autor, tal como Jean Clottes, o maior especialista francês – e um dos maiores do mundo – em arte rupestre, que for¬neceu gratuitamente várias das fotos que o ilus¬tram. O conhecido arqueólogo português João Zi¬lhão, professor catedrático de investigação na Insti¬tuição Catalã para a Investigação Avançada (ICREA) da Universidade de Barcelona, e um dos apresentadores do livro na sessão de lançamento, argumenta que, na datação das obras de arte, "os arqueólogos não têm muitas vezes os conhecimen¬tos técnicos necessários nas áreas da física e da quí¬mica e, em contrapartida, os laboratórios não pon¬deram o contexto arqueológico, cultural e ambien¬tal do que estão a analisar". Ou seja, "não têm co¬nhecimentos profundos para serem suficientemen¬te críticos". Quem fica a perder é, obviamente, a história da arte,
"O ideal é que existam arqueólogos que perce¬bam o suficiente das técnicas da física e da química e físicos e químicos com experiência na datação que tenham um conhecimento profundo da história da arte", prossegue João Zilhão. "Isso é raro em Portu¬gal e no mundo, mas João Peixoto Cabral reúne as duas qualidades, o que se reflete no seu livro." O próprio autor explica ao Expresso que, "desde que a energia nuclear caiu em desgraça, a radioquímica e a física nuclear perderam interesse por parte das próprias universidades". Peixoto Cabral reconhece que há falta de informação em Portugal sobre esta matéria entre os arqueólogos, e Fernando Pina, que escreveu o prefácio do livro e é presidente do Depar¬tamento de Conservação e Restauro da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, salienta que "estamos num país onde as ofer¬tas educativas nesta área são escassas e onde a maio¬ria das pessoas abomina e teme o nuclear". E se as ciências ligadas à física e à química nucleares "têm sido por vezes usadas de um modo condenável, per¬mitem ao mesmo tempo um maior conhecimento da atividade do Homem ao longo da História".
Os exemplos dados por João Peixoto Cabral na sua obra são, sem dúvida, esclarecedores a este res¬peito. É o caso da história de Han Van Meegeren, um artista holandês com talento mas, sobretudo, um falsificador exímio com uma atração especial pe¬los quadros de Johannes Vermeer, o famoso pintor holandês do século XVII. Em novembro de 1937, o historiador de arte Abraham Bredius anunciou a descoberta de um quadro de Vermeer, "Cristo em Emaús", tendo afirmado que se tratava de uma pin¬tura de rara beleza e de elevada qualidade artística. A obra foi considerada uma falsificação por um peri¬to de uma leiloeira mas acabou por ser comprada a peso de ouro pelo Museu Boymans de Roterdão.
Quando as tropas nazis ocuparam a Holanda, du¬rante a Segunda Guerra Mundial, surgiram no mer¬cado mais quadros de Vermeer que acabaram por ser comprados por colecionadores. O mais célebre foi o marechal alemão Hermann Göring, que adqui¬riu o quadro "Cristo e a Mulher Adúltera" (ver imagem) a um banqueiro nazi. Depois da guerra, em 1945, Göring foi julgado pelo Tribunal de Nuremberga e condenado à morte, tendo-se suicidado na prisão. O quadro foi encontrado na sua coleção e as investiga¬ções da polícia concluíram que tinha sido vendido a Göring através de Han Van Meegeren.
O artista holandês foi então acusado de colabora¬ção com os nazis, tendo sido preso e julgado como traidor em 1946, o que podia ter levado à pena de morte. Mas, no julgamento, Meegeren argumentou, em sua defesa, que o "Cristo e a Mulher Adúltera" era falso porque fora pintado por ele, bem como to¬dos os quadros inéditos de Vermeer descobertos en¬tre 1939 e 1943. Para o provar – e para provar a sua inocência – pintou um novo quadro ao estilo de Ver¬meer perante uma equipa de peritos, a que chamou "Jesus entre os Doutores". O tribunal decidiu, por isso, que os 'Vermeers' fossem analisados nos labora¬tórios do Instituto Real do Património Artístico de Bruxelas, que efetivamente confirmou que todos os quadros eram falsos, com base em três evidências: foi encontrado azul-cobalto, um pigmento sintético que só começou a ser fabricado depois da morte de Vermeer (século XVIII); todas as pinturas conti¬nham baquelite, uma resina descoberta apenas no início do século XX; as radiografias tiradas às obras mostravam que as fissuras no verniz eram superfi¬ciais, ao contrário do que acontecia nos verdadeiros quadros de Vermeer, onde eram mais fundas, Mas as dúvidas continuaram e só em 1968, através de um novo método de datação de obras de arte baseado na radioatividade natural do pigmento branco de chumbo, tudo ficou devidamente esclarecido.
Outra polémica relatada no livro é bem conheci¬da dos portugueses: as gravuras do vale do Coa, des-cobertas em 1994, tendo as mais antigas sido dese¬nhadas há cerca de 20 mil anos. Hoje são considera¬das o maior complexo de arte rupestre paleolítica ao ar livre do mundo e levaram a EDP a desistir da cons¬trução de uma barragem. A empresa encomendou na altura a datação a quatro peritos estrangeiros, que concluíram que as gravuras não seriam paleolíti¬cas mas teriam apenas 200 anos. Um deles, o austra¬liano Robert Bednarik, assinou mesmo um artigo na revista "Antiquity" onde criticou os argumentos e os métodos de datação usados por arqueólogos portu¬gueses e de outras nacionalidades para provarem a antiguidade das gravuras. João Zilhão liderou a con¬testação a Bednarik, publicando um artigo na mes¬ma edição da revista, e a polémica foi tão grande que no Congresso Internacional de Arte Rupestre em Tu¬rim, em 1995, as gravuras do Coa foram praticamen¬te o único tema em debate. Os métodos de datação usados em toda a investigação foram muito diversifi¬cados (radiocarbono, microerosão, termolumines¬cência, luminescência estimulada oticamente, etc.) e acabaram por dar razão à tese de João Zilhão. A

vazevedo@expresso.impresa.pt

1 comentário:

  1. Excelente trabalho! Sou aluno do curso de restauro da universidade católica do Porto e estou a desenvolver uma pesquisa sobre " A identificação dos pigmentos e a sua necessidade à historia da arte", baseado no artigo do prof. António João Cruz. Encontrei a sua matéria e se me permite vou cita-la no meu trabalho.
    Parabéns
    Carlos Anjos

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