domingo, 7 de março de 2010

FUGA DO FORTE DE PENICHE


Uma «machadada» no Estado Novo e na toda poderosa PIDE? Foi em Janeiro de 1960.

A fuga que derrotou Salazar e a PIDE, há 50 anos
(DN) 2010.Jan.03 | Irene Pimentel
Evasões de presos políticos durante o regime salazarista, houve-os desde a criação, em 1933 da polícia política – PVDE –, e até 1961, quando, na sequência das ousadas fugas colectivas de Peniche e de Caxias, a PIDE e os Serviços Prisionais colocaram “trancas à porta”. Antes de 1945, fugiram do forte de Peniche, situado junto ao mar, Francisco Horta Catarino e José dos Santos Rocha, em 2 de Maio de 1936, bem como Álvaro Marques Saraiva e António Branco, em 19 de Julho de 1938. Após a criação da PIDE, as fugas de Peniche tornaram-se mais difíceis. Mesmo assim, conseguira escapar desse forte Joaquim Pinto Portela, em 1946, e, na noite de 2 para 3 de Novembro de 1950, dois funcionários do PCP, Jaime Serra e Francisco Miguel Duarte, embora o segundo tivesse sido recapturado. Três anos depois, foi a vez de se evadir, na madrugada de 19 de Dezembro de 1954, o dirigente comunista António Dias Lourenço. Tratou-se de uma fuga muito arrojada, pois envolveu serrar uma abertura na almofada inferior da porta da cela de «segredo» onde ele estava encarcerado, de castigado, descer os vinte metros até ao mar, através de uma corda a partir de três mantas e nadar até terra.
Foi porém a fuga colectiva de Peniche, que ocorreu há 50 anos, em 3 de Janeiro de 1960, que foi a mais importante, audaciosa e bem sucedida evasão. Com a fuga colectiva de Caxias, ocorrida no ano seguinte, com outros 8 elementos do PCP, a de Peniche ficou na memória e na história do PCP, mas também da oposição ao regime, como uma estrondosa vitória desse partido contra o governo ditatorial e a PIDE, em particular. Conseguiram então escapar da fortaleza os dirigentes do PCP Jaime Serra, Pedro Soares, Rogério de Carvalho, Álvaro Cunhal, Guilherme da Costa Carvalho, José Carlos, Carlos Costa, Rogério de Carvalho Joaquim Gomes dos Santos, Francisco Martins Rodrigues, bem como José Augusto Jorge Alves, um soldado da GNR de serviço em Peniche, que facilitou a fuga.
Jaime Serra relatou como decorreu a evasão. Contou que as condições de segurança do forte de Peniche tinham sido então reforçadas e que os «presos considerados “mais perigosos” haviam sido concentrados no terceiro piso, a sua maioria em celas individuais de alta segurança». Era ali que se encontrava Álvaro Cunhal e os três novos “hóspedes” acabados de chegar em Janeiro de 1959, Joaquim Gomes, Pedro Soares e o próprio Jaime Serra. Passado o chamado “período de observação”, começaram a ter recreio em comum e formaram, com outros, «um organismo restrito com a incumbência exclusiva de estudar sistematicamente todas as hipóteses de fuga». Numa «dada altura, por meados de 1959, o camarada Joaquim Gomes conseguiu meter conversa através das grades da janela da sua cela, com o GNR que viria a ser a chave mestra da fuga, o soldado Jorge Alves», concluindo que este era «uma pessoa revoltada».
Por outro lado – acrescentou Serra –, em «virtude de um comportamento calculado, na relação com os carcereiros», os presos haviam «conquistado nesse período uma série de “regalias”», que aumentaram as possibilidades de contacto entre os presos. Dessa forma, nos «últimos meses de 1959, o plano de fuga avançou rapidamente na sua concretização graças ao trabalho desenvolvido no exterior pelo Secretariado do Comité Central, constituído então pelos camaradas Octávio Pato, Joaquim Pires Jorge e António Dias Lourenço». Leia-se a descrição de Serra da fase seguinte da fuga:
«A segunda fase da operação desenrolou-se no exterior do bloco prisional, sob a responsabilidade do guarda Jorge Alves.
Como estava previsto, juntamente com o camarada Álvaro Cunhal, constituímos o primeiro grupo a percorrer, sob a capa do guarda Jorge Alves, a distância que nos separava de uma horta existente num terreno subjacente à muralha da Fortaleza por onde íamos descer.
Tendo alcançado o torreão da fortaleza, tratámos de amarrar solidamente a uma fresta desse torreão uma ponta da “corda” de tiras de lençol por onde descemos. A partir daí tudo foi fácil. Saltámos o último obstáculo, o muro exterior do fosso, e encontrámo-nos de imediato a atravessar o “largo do jogo da bola” misturados com muitos populares que vinham de assistir ao jogo de futebol, discutindo em voz alta o seu resultado. Chegámos assim ao local de encontro previamente marcado, onde nos esperava um camarada conhecido, ao volante do seu carro. Ali aguardámos a chegada dos outros camaradas fugitivos que, segundo o combinado, deveriam participar connosco na retirada, entre eles o Joaquim Gomes e o guarda Jorge Alves» (Jaime Serra, Eles Têm o Direito de Saber, Ed. Avante, 1997).
A fuga do forte de Peniche foi profundamente analisada, nos escalões mais altos do PCP, num trabalho de crítica e procura das «razões do êxito» e das «deficiências verificadas». Da discussão resultou um documento da Comissão Política do CC desse partido, de Maio de 1960, onde eram consideradas seis «razões» para o «êxito»: a cuidadosa e demorada preparação e organização; a coordenação da actividade no interior e exterior; a concentração de preocupações, recursos e quadros; a preparação no interior, na base da centralização da responsabilidade num organismo restrito, harmonizada com a prática de trabalho colectivo e de discussão democrática; coragem, serenidade e disciplina e os sentimentos antifascistas do povo português. Quanto às deficiências, foram apontadas três, verificadas no interior da cadeia, e seis, que ocorreram no exterior. Entre estas, contaram-se a perda de documentação, antes da fuga, cuja apreensão pela PIDE poderia ter inutilizado todos os esforços; falta do aviso combinado fixando a data; marcação de um sítio em lugar diferente do combinado e execução de outro sítio também em lugar diferente do combinado e desconhecimento do trajecto e insuficiente estudo dos troços, que provocaram demoras na retirada (Arquivo do Tribunal da Boa Hora no ANTT, proc. 92/62, Octávio Paro e Albina Fernandes, caixa 703, 2.º juízo, volume 20, fl. 1071, «A fuga do forte Peniche»).
José Dias Coelho, funcionário do PCP que viria a ser assassinado pela PIDE, no ano seguinte, afirmou que, «depois da fuga, o capitão Neves Graça foi demitido do cargo de director da PIDE, e substituído pelo tenente-coronel Homero de Matos», dando a entender que a demissão foi consequência directa da evasão. É um facto que o período de 1959/1960, foi marcado por «dois factos sensacionais», que, segundo Mário Soares vieram «destruir o “mito” de infalibilidade da PIDE, demonstrando tratar-se de uma organização fundamentalmente “burocrática”, um colosso com pés de barro, que só descobre, afinal, aquilo que os presos lhe dizem, mediante “confissões», as mais das vezes arrancadas por violência. Os dois factos foram as fugas do capitão Henrique Galvão, do hospital de Santa Maria, e dos dez dirigentes do PCP, do Forte de Peniche, «dois golpes» com os quais «o prestígio da PIDE ficou singularmente abalado», tendo sido «indescritível a alegria que qualquer deles provocou no comum da população, mesmo entre a gente não politizada». Depois, «duas outras fugas haviam de comprovar este acerto»: a «proeza invulgar de um grupo de dirigentes do partido comunista, que conseguiu fugir do Forte de Caxias, prisão privativa da PIDE ultra-controlada, aproveitando um carro blindado de Salazar – facto que ocorreu em Dezembro de 1961; e, em 1969, a fuga da prisão da PIDE, do Porto, do dirigente revolucionário do LUAR, Hermínio da Palma Inácio (Mário Soares, Portugal Amordaçado, Arcádia, 1974).

quinta-feira, 4 de março de 2010

Mais um quadro de Van Gogh


“Le Blute Fin”, data de 1886
Descoberto um novo quadro de Van Gogh, o primeiro desde 1995
(PÚBLICO) 2010.Fev.25
Trinta e cinco anos depois de ter sido comprada por um coleccionador de arte que acreditava ter em sua posse um Van Gogh, uma pintura do moinho de Montmartre, um bairro parisiense, foi finalmente autentificada como sendo do pintor holandês. Trata-se de “Le Blute Fin”, datado de 1886, descoberto na Holanda, e só agora atribuído a Van Gogh pelo museu com o seu nome.
Tudo começou em 1975, quando Dirk Hannema, antigo director do museu Boymans, em Roterdão, comprou a um comerciante de arte por cerca de mil euros, no valor actual, “Le Blute Fin”, um quadro de 55 por 38 centímetros, que acreditava tratar-se de um Van Gogh. Tinha tanta certeza que tinha em mãos um trabalho do pintor que o assegurou por 35 mil euros. Mas não conseguiu reunir apoio junto dos especialistas e o quadro ficou “escondido” no depósito do museu De Fundatie, em Zwolle, no centro da Holanda. Tudo porque em 1937Dirk Hannema afirmou que tinha em sua posse um quadro de Johannes Vermeer, outro dos grandes nomes da pintura holandesa, mas após análises ao quadro, este revelou-se falso. O caso viria a tornar-se no maior escândalo do mundo da arte na Holanda. Hannema morreria em 1984 sem conseguir provar que “Le Blute Fin” tinha sido pintado pelo mestre do Impressionismo.
Depois de décadas trancado no De Fundatie, o Museu Van Gogh de Amesterdão confirmou ontem que “Le Blute Fin” é de facto um Van Gogh. Louis van Tilborgh, conservador do museu Van Gogh e um dos responsáveis pela autentificação de obras, citado pela edição online do “El Pais”, explica que o quadro suscitou sempre várias dúvidas, além das criadas pela reputação do seu proprietário. “Trata-se de um tema duvidoso escolhido por Van Gogh. Tem figuras muito grandes e coloridas, pouco frequentes no seu trabalho”. Mas após análises mais alargadas, Louis van Tilborgh e a sua equipa concluíram que se tratava de um Van Gogh autêntico através de marcas que o pintor fazia para se orientar na perspectiva e de pigmentos usados na época em cores como o roxo e o verde.
Em “Le Blute Fin”, o Museu Van Gogh reconhece que se trata de um tema “raro” retratado pelo pintor “mas que se encaixa no que fazia em 1886”, data da pintura.
Dirk Hannema não vai assistir à sua “vitória” no próximo dia 4 de Julho, data a partir da qual dia o novo quadro descoberto de Van Gogh irá estar em exposição no museu. A instituição recusa-se a avançar um valor monetário para a obra, que diz ser “incalculável”.

FIM DO «SONHO DA ÍNDIA»

A 18 de Dezembro de 1961 chegava ao fim a presença portuguesa na Índia, ou melhor, porque ficou ainda muito património, o que chegou ao fim foi a soberania nacional. Contra os ventos da História, Portugal continuava a alimentar o "desígnio" do Portugal do Minho a Timor. Tantos anos depois, um eco na nossa imprensa:

Os jornais e a invasão de Goa
(DN) 2009.Dez.16 | Valentino Viegas*
Foram deturpadas as informações sobre aquela invasão e escondida a verdade ao povo português
Recordar e meditar sobre as questões do passado é mergulhar nas profundezas das contradições do presente. Faz sexta-feira 48 anos que se deu a invasão de Goa, precisamente no dia 18 de Dezembro de 1961.
Hoje, que tanto se questiona sobre a validade dos conteúdos divulgados pelos órgãos de comunicação social, em particular pelos jornais, se alguém pretendesse efectuar um estudo sobre aquele acontecimento, apenas com base nos jornais goeses, dificilmente poderia concluir que Goa viria a ser invadida por tropas da União Indiana, muito embora nos diários de Portugal continental já se desse como certa aquela invasão.
Por ter sido criada essa expectativa, a população metropolitana viveu, com muito maior antecedência do que a goesa, o drama desenrolado na terra onde vi avançar os tanques indianos, porque os seus jornalistas, em vez de respeitarem os sentimentos dos familiares dos soldados e procurarem minorar a ansiedade, a dor e o sofrimento dos seus compatriotas, divulgaram informações falsas sobre a real situação ali vivida.
Foi a partir da tarde do dia 18 que a União Indiana teve o domínio quase total de fontes informativas, pois a emissora de Dabolim havia sido destruída pela aviação e o Aviso Afonso de Albuquerque silenciado pelos seus vasos de guerra.
Como as informações que iam chegando eram de origem duvidosa e suspeita, os jornalistas portugueses começaram a divagar, agarrando-se como tábua de salvação às palavras proferidas pelo governador-geral, general Vassalo e Silva: "Resistiremos até ao fim!"
Neste contexto, no dia 19, o jornalista de O Século não só inventa combates encarniçados durante algumas horas em redor da cidade de Pondá como afirma existirem baixas elevadas de parte a parte, inclusive com aprisionamento de alguns soldados indianos. Não lhe quis ficar atrás o Diário de Notícias e, além de mencionar bombardeamentos imaginários contra a Escola Naval de Goa, o porto e os depósitos de gasolina de Mormugão, escreveu esta patranha inqualificável: "durou oito horas a violentíssima luta que precedeu a tomada de Pangim."
Contudo, depreende-se que o Governo português recebia outro tipo de informações sobre a real situação em Goa, razão pela qual o jornal O Século faz sair uma nota da parte do embaixador português dr. Pedro Teotónio Pereira, desmentindo que "o Governo e as forças militares de Goa tenham deixado de opor resistência", caindo assim em contradição com a mensagem do correspondente da Reuters, Gordon Martin: "Às primeiras horas de hoje, 19, as tropas indianas atravessaram o rio Mandovi e entraram em Pangim, capital de Goa."
O mesmo jornal, no dia 20, sem se importar com a angústia dos familiares do Aviso Afonso de Albuquerque, intitula desta maneira um artigo seu: "Foi para o fundo o Afonso de Albuquerque, que deste modo honrou até ao fim o seu nome glorioso".
E apesar de se saber que o governador-geral tinha assinado a rendição às 14 horas locais do dia 19, noticiou também que havia sido escutado às 15 horas "um posto emissor de Goa informando que prosseguiam encarniçadamente os combates para a defesa de Pangim, a capital".
No dia 20, divulga esta comunicação da Embaixada portuguesa sedeada em Paris: "Centenas de mortos em Goa entre as tropas e a população civil." Em 21, ainda tem o desplante de escrever esta notícia espantosa: "Combates corpo a corpo em que os inimigos foram rapidamente vencidos chegaram a travar os portugueses no seu reduto de Mormugão com marinheiros indianos que tentavam desembarcar."
O criador desta notícia, que devia conhecer o Plano de Operações Sentinela, a ser accionado e posto em prática pelos defensores portugueses em Goa, com base na estratégia ali idealizada, dá vida real àquele plano e cria à sua volta um filme de ficção sobre a guerra, onde os heróis lusitanos não só enfrentam e aguentam um violento assalto por terra como vencem fácil e rapidamente os marinheiros indianos em combate corpo a corpo, depois de meterem a pique as suas lanchas de desembarque.
Uma semana após o início da invasão, incapazes de aceitar a realidade dos factos, os seus jornalistas ainda acreditavam que persistia a luta de guerrilhas.
Em consonância com o seu método de tratamento das informações, no dia 30, sem o mínimo respeito pela vida dos militares portugueses aprisionados em Goa, divulga a nota distribuída pelo gabinete do ministro do Exército, em letras gordas e garrafais, com o seguinte título: "1018 baixas de militares?", quando, durante a invasão do Estado da Índia Portuguesa, haviam morrido 25 militares, dos quais quinze em Goa, sete em Damão e três em Diu.
Como os governantes ainda acreditavam que as ordens emanadas na última mensagem de Salazar estavam a ser cumpridas, do "sacrifício total", ali exigido aos militares portugueses, só podia resultar centenas e centenas de vítimas.
De facto, havia uma perfeita sintonia e uma apurada coordenação entre as chefias dos principais centros de decisão. Em consequência, os canais de comunicação entre o Governo, no seu todo, o Ministério do Exército, em particular, e os jornais, funcionavam a uma só voz.
Em jeito de conclusão, podemos afirmar que, devido à incompetência e irresponsabilidade de jornalistas metropolitanos, foram deliberadamente deturpadas as informações sobre aquela invasão e escondida a verdade ao povo português.
*Historiador