domingo, 24 de julho de 2011

Alterações climáticas

A História diz-nos que o clima não é «determinado» pelo comportamento do homem...



Calor, secas, cheias
Bem-vindos à Idade Média
PÚBLICO) 2010.Outubro.21 | Ricardo Garcia
Na Gronelândia, os vikings chegaram a pontos hoje inacessíveis. Há muito que se sabe que a era medieval foi quente em parte da Terra. Mas hoje o aquecimento é maior e global, dizem os cientistas.
Secas épicas, permanentes. Cheias brutais, sucessivas. Alterações profundas na agricultura, na floração das plantas, nas estações do ano. Populações deslocadas. Um retrato das alterações climáticas no final do século XXI? Não, bem-¬vindos à Idade Média. Entre 900 e 1300, aproximadamente, algumas regiões do globo foram tão ou mais quentes do que a Terra no século XX, quando o mundo acordou para o problema do aquecimento global.
A existência de um Período Quente Medieval é um dos principais argumentos dos que contestam a tese de que o aquecimento actual é uma realidade sem precedentes nos últimos mil anos e tem origem sobretudo humana. Se é verdade que foi tão ou mais quente há alguns séculos – muito antes do carvão e do petróleo –, então como dizer agora que a culpa é do ser humano e não da variabilidade natural do clima?
O climatologista Ricardo Trigo, do Centro de Geofísica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, reconhece que se trata de uma questão importante. Mas não tem dúvidas. "Várias reconstruções mostram que aquele período teve, de facto, valores próximos dos do século XX. Mas não como os das últimas três décadas", afirma.
Ricardo Trigo foi um dos organizadores de um encontro científico, em Lisboa, no qual alguns dos maiores especialistas mundiais no passado climático da Terra puseram em dia o que se sabe hoje sobre o Período Quente Medieval. Sob um clima ameno de fim de Setembro, o tema foi discutido por um grupo selecto de cientistas, em mangas de camisa, escolhidos a dedo pela Faculdade de Ciências de Lisboa e pela agência norte-americana para os oceanos e a atmosfera (NOAA).
Palavra-chave
Há uma palavra-chave em torno da qual orbita o trabalho destes cientistas – "reconstrução". Para saber se o clima quente de hoje é inédito, é preciso conhecer como foi o do passado. Mas, a nível global, só há dados de termómetros para os últimos 150 anos. Daí que seja preciso "reconstruir" o passado climático, com base noutros tipos de fontes – uma tarefa susceptível a grandes incertezas.
Sem termómetros, tudo o que os cientistas têm à mão são indicadores climáticos indirectos (proxies, no jargão académico). Documentos históricos são um deles. Registos escritos, muitos feitos nos mosteiros, de colheitas, de observação do tempo, de catástrofes meteorológicas, de épocas de floração, ajudam a reconstituir o clima. O mesmo vale para imagens.
É na própria natureza, porém, que estão as maiores fontes. Amostras de gelo das regiões polares guardam testemunhos milenares sobre a precipitação, sobre a fusão periódica da cobertura gelada, sobre a composição da atmosfera. De corais do Pacífico também se extraem dados climáticos.
Há cientistas que se dedicam a avaliar o clima passado pelos tipos de pólen encontrados em diferentes camadas de solo. Outros analisam a composição de estalagmites nas cavernas, cuja formação pode estender-se por dezenas de milhares de anos. Sedimentos recolhidos em lagos também dão pistas sobre como foi o clima há séculos ou milénios.
De todos os indicadores indirectos, os anéis de crescimento das árvores são considerados um dos mais importantes. A sua largura e densidade indicam, ano a ano, se o clima foi mais quente ou mais frio, mais húmido ou mais seco. Combinando-se amostras de diferentes idades, é possível reconstituir as condições climáticas ao longo de milhares de anos.
Uma das vantagens dos anéis de árvores está no facto de haver amostras em vários pontos do planeta. "As árvores são provavelmente os proxies mais largamente distribuídos", afirma o climatologista Phil Jones, do Centro de Investigação Climática da Universidade de East Anglia. Além disso, somam-se já largas décadas de experiência com a dendroclimatologia – o nome desta técnica que nasceu na Escandinávia no final do século XIX. "É a mais conhecida ciência de proxies", diz Phil Jones.
O que todos estes indicadores indirectos sugerem é que na Idade Média as temperaturas estavam em alta, pelo menos nalguns pontos do planeta. E há muito tempo que se sabe disso. Em 1914, o cientista sueco Otto Pettersson descreveu como largas áreas da Islândia eram cultivadas no século X, antes de serem posteriormente cobertas de gelo. Na mesma altura, os vikings colonizaram a Gronelândia, chegando a pontos
que o frio também tornaria depois inacessíveis.
Foi o climatologista britânico Hubert Lamb, porém, quem cunhou a designação Medieval Warm Period (Período Quente Medieval). Em 1965, Lamb publicou um artigo sugerindo que, pelo menos na Europa, o tempo foi particularmente quente entre 1000 e 1200, seguido de séculos de frio, entre 1500 e 1700. Lamb calculou que, entre esses dois períodos, a temperatura média na Inglaterra variou entre 1,2 e 1,4 graus Celsius – muito mais do que os 0,7 graus Celsius de diferença verificado no planeta ao longo do século XX. Anos mais tarde, o mesmo cientista estimou que, nalguns pontos, as temperaturas na Idade Média chegaram a ser 1,0 a 2,0 graus mais elevadas do que no princípio do século XX.
A maior parte das reconstruções feitas desde então corrobora a tese de um aquecimento durante a época medieval, pelo menos no Hemisfério: Norte. Com base nesses resultados, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) conclui que o período mais quente dos últimos dois mil anos, antes do século XX, centra-se entre 950 e 1100.
Dizer se foi mais ou menos quente do que agora depende da escala de tempo a que se olha para o fenómeno. Analisando períodos de 100 anos, um estudo submetido à conferência de Lisboa conclui que o aquecimento na Idade Média foi tão uniforme como o do século XX. A uma escala menor, outro estudo sugere que, na Europa, o aquecimento nas primaveras e verões medievais foi mais heterogéneo, década a década, do que o de agora. E os picos de temperaturas extremas eram muito menos frequentes.
Secas de 200 anos
Temperaturas à parte, o Período Quente Medieval foi marcado por outras perturbações climáticas – como as "megassecas" que ocorreram no que hoje são os Estados Unidos. Duas delas foram praticamente simultâneas - uma no actual Nebrasca, que durou 38 anos (1276-1313), e outra, de 24 anos (1276-1299), no Colorado, que terá afastado populações nativas que ali viviam, da civilização anasazi. Na Califórnia, o cientista norte¬ americano Scott Stine encontrou, em resquícios de árvores submersas, evidências de secas ainda maiores, de até dois séculos de duração.
Longe dali, no Egipto, há registos de cheias avassaladoras, combinadas com crises de fome, entre os séculos
IX e XV. O facto de as alterações climáticas nessa altura não se terem manifestado apenas na temperatura faz com que alguns cientistas prefiram designar àquele período como Anomalia Climática Medieval.
As evidências do aquecimento, em si, são mais fortes no Hemisfério Norte, sobretudo nas latitudes mais altas. Mas, quanto ao resto do mundo, o conhecimento é ainda modesto. Há poucos indicadores para as temperaturas passadas nos trópicos, em África, em grande parte dos oceanos. "Estamos longe de ter dados suficientes para qualquer estimativa significativa de um aquecimento medieval global", conclui o IPCC, no seu último relatório de avaliação da ciência climática, de 2007.
Mesmo os estudos que agora surgem são ainda muito pontuais. Um deles, liderado pelo investigador Jürg Luterbacher, da Universidade de Giessen, na Alemanha, produziu, pela primeira vez, uma reconstrução das temperaturas de parte do Hemisfério Sul – abaixo do paralelo 20ºS (mais ou menos de São Paulo para baixo). E concluiu que, naquela região, o clima entre 950 e 1350 era, em média, ainda mais quente do que o do século XX.
Segundo outros investigadores, nos trópicos, poderá ter ocorrido o contrário, um arrefecimento do clima, devido a uma tendência maior para o fenómeno La Niña, no qual a temperatura do Pacífico equatorial permanece mais baixa.
As incertezas são grandes, sobretudo pelo número reduzido de proxies além do Hemisfério Norte. "Temos de ser cautelosos ao interpretar esses resultados", afirma Luterbacher.
Phil Jones acredita que, para determinadas regiões do globo, tão cedo não será possível chegar a reconstruções fiáveis. "A incerteza vai diminuir no futuro, mas não será rápido", antecipa.
Manchas solares
Variações na actividade solar poderão explicar em parte o aquecimento da Idade Média. Mas sabe-se menos sobre estas flutuações naquele período do que nos séculos seguintes, para quando se generalizou a observação das manchas solares. A Pequena Idade do Gelo, que trouxe invernos rigorosos à Europa e à América do Norte entre 1400 e 1900, coincidiu parcialmente com um período de actividade solar excepcionalmente baixo, conhecido por Maunder Minimum (1645-1715).
Apesar das incertezas, os cientistas reconhecem avanços no conhecimento do Período Quente Medieval. "Há muito mais dados agora do que há dez anos", diz Ricardo Trigo. Foi há cerca de uma década que um grupo de investigadores produziu o célebre gráfico do hockey-stick – que mostra as temperaturas médias do Hemisfério Norte desde o ano 1000, mas com uma subida exponencial, sem precedentes, nas últimas décadas. Incluído num relatório do IPCC de 2001, o gráfico foi alvo de críticas, por alegadas falhas metodológicas.
Mas, segundo Ricardo Trigo, outras reconstruções climáticas desde então, mesmo levando em conta o aquecimento medieval, confirmaram aqueles resultados.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Afinal, quem foram os primeiros povoadores dos Açores? Uma "decoberta" polémica.



Dois artigos de dois jornais - `´ublico e Diário de Notícias de 13 de Julho de 2011.

Açores
Alegada descoberta arqueológica na ilha Terceira
não tem comprovação científica

(PÚBLICO) 2011.Julho.13 | Cláudia Carvalho

Supostos monumentos funerários localizados no Monte Brasil obrigariam a rever a história do arquipélago. Diferentes especialistas duvidam, porém, da autenticidade da tese apresentada.
Não existe um consenso em relação à descoberta dos novos sítios arqueológicos no Monte Brasil, em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, Açores. A descoberta foi anunciada na passada quinta-feira pelos arqueólogos Nuno Ribeiro e Anabela Joaquinito, da Associação Portuguesa de Investigação Arqueológica (APIA). A Direcção Regional da Cultura dos Açores (DRCA), entidade que regulamenta a actividade arqueológica no arquipélago, não reconhece a descoberta e os especialistas na área não acreditam que existam no Monte Brasil monumentos e santuários do tipo hipogeu, do século IV a.C.
"Em primeiro lugar, não podemos sequer falar de uma descoberta ou um achado. Ninguém descobriu nada agora, aquelas estruturas escavadas na rocha já existem há muitíssimos anos. Diz a história e os documentos que aquelas grutas foram estruturas de apoio militar, propositadamente criadas para aquele efeito. Não tenho nenhuma razão para acreditar que aquilo seja outra coisa", diz ao PÚBLICO Francisco Maduro Dias, presidente do Instituto Histórico da Ilha Terceira, explicando que durante a II Guerra Mundial aquele era um sítio de abrigo e de apoio das tropas portuguesas.
Porém, Nuno Ribeiro, o arqueólogo responsável pelo projecto da APIA, tem a certeza do seu achado. "Aquilo que vimos são estruturas impressionantes, verdadeiros túmulos. No século XV não era esta a forma de construção utilizada. São grandes templos escavados dentro de monumentos do tipo hipogeu [monumentos funerários subterrâneos], de grandes dimensões, muito bem conservados. Pela planta dos monumentos, pela simbologia e pelo contexto, podemos afirmar que são monumentos com cerca de 2500 anos." O arqueólogo diz que ainda não foram feitos quaisquer trabalhos de investigação no sítio, tendo para já apenas recorrido ao método comparativo, em algumas "viagens de recreio", através da observação do espaço e da comparação com complexos arqueológicos semelhantes.
"Aquilo são grutas. Quando há uma ocupação humana, há sempre vestígios que ela deixa. Aqui não há nada. Como é que se pode afirmar isto? Não existem meios que sustentem a existência humana [nas ilhas] antes dos portugueses", comentou o investigador Monge Soares, actualmente no Instituto Tecnológico e Nuclear, em Sacavém. Ideia igualmente partilhada por Ana Arruda, arqueóloga e professora na Faculdade de Letras de Lisboa. "Para haver mortos, teria de haver vivos, ou seja, teriam de existir espaços arqueológicos que provassem a vida, e isso não há", disse a académica, argumentando que se existem evidências de túmulos e santuários, teria de haver provas da existência de pessoas que prestassem culto. Com esta descoberta, a história do povoamento do arquipélago – que, de acordo com as fontes históricas e científicas, ocorreu apenas no século XV – teria de ser revisto. "Eu tenho as maiores reservas em aceitar isto. É preciso apresentar dados arqueológicos que provem isso e até agora não foi feito. Com esta evidência arqueológica, parece-me tudo fantasia."
Fantasia "ao estilo de Indiana Jones" foi como o Centro de Estudos de Arqueologia Moderna e Contemporânea definiu esta notícia, acusando a APIA de falta de "validação científica". A instituição escreveu em comunicado que as descobertas são "meramente sensacionalistas e ao gosto de filmografia de Indiana Jones. Descredibilizam, mormente, a classe arqueológica, que se deve mover com dados fundamentados e com rigor na interpretação e na análise do passado".
Também o presidente da Associação Portuguesa de Arqueólogos, José Arnaut, defende uma comprovação científica dos factos. "Em arqueologia tudo é possível se for devidamente comprovado", refere. "Há muita especulação em relação a estas questões, de tempos em tempos surgem afirmações assim, mas não basta dizer. Na prática, é preciso ser comprovado por especialistas nas áreas, através de métodos científicos específicos."
Numa primeira fase, o projecto da APIA não foi aprovado pela DRCA, por falta de verbas, segundo Nuno Ribeiro. Mas o director regional Jorge Augusto Paulus Bruno considerou "irregular a apresentação pública de resultados e conclusões sobre eventuais sítios arqueológicos no Monte Brasil referentes a ocupações humanas anteriores ao povoamento português". Via email, o responsável explicou que "a associação APIA nunca apresentou até à data qualquer pedido formal de autorização de realização de prospecções". Em relação ao achado, Paulus Bruno partilha da mesma opinião que os arqueólogos: "Falta de comprovação científica". Nuno Ribeiro combate as críticas falando em falta de conhecimento do espaço e possíveis invejas, prometendo que em Setembro, altura em que apresentará as descobertas no congresso SEAC 2011, em Évora, anunciará novidades que provarão que tem razão.


Descoberta de ‘templos’ gera polémica nos Açores
(Diário de Notícias) 2011.Julho.12 | Paulo Faustino (Ponta Delgada

IV A. C. Presidente do Instituto Histórico da Ilha Terceira defende que alegados templos dedicados a deusa lunar cartaginesa não passam de estruturas de apoio militar
O Presidente do Instituto Histórico da Ilha Terceira, Francisco maduro Dias, resume a ‘cafuas’ de apoio às guarnições militares em Angra do Heroísmo, Açores, aquilo que os arqueólogos Nuno Ribeiro e Anabela Joaquinito admitem ser a descoberta no monte Brasil de templos dedicados a Tanit, deusa cartaginesa, do século IV a.C.
Os dois arqueólogos, da Associação Portuguesa de Investigação Arqueológica (APIA), encontraram o que dizem ser túmulos escavados nas rochas que apontam para a existência de cinco monumentos do tipo hipogeu, e de alguns ‘santuários’ proto-históricos. Em causa estarão, segundo Nuno Ribeiro e Anabela Joaquinito, templos de grandes dimensões, bem conservados e com uma planta quase triangular, incluindo pias circulares, associadas a canais para a recolha de água e a realização de rituais com libações e envolvendo sacrifícios.
Vestígios escavados na rocha do monte Brasil (também já o haviam feito na ilha do Corvo) que indiciam, descobertas agora feitas, a “data do povoamento dos Açores pode não ser a que a história refere, mas outra dependente de estudos arqueológicos a estruturas e objectos existentes no arquipélago”-
Os alegados monumentos descobertos pela APIA nas zonas do “monte do Facho” e no Forte de São Diogo incluem ‘cadeiras’ escavadas na rocha, um tanque cerimonial coberto pela vegetação, dezenas de buracos de poste e ainda nichos destinados a acolher a estátua da divindade lunar cartaginesa. Serão dados a conhecer ao mundo em Évora no próximo mês de Setembro e em Florença (Itália) em 2012, no âmbito de encontros mundiais ligados à arqueologia.
Mas o presidente do Instituto Histórico da Ilha Terceira desvaloriza a tese dos investigadores, esclarecendo que as escavações na rocha que encontraram se destinavam apenas a servir de abrigos militares nos séculos XVI e XVII, e ainda para a recolha de água. “A facilidade de escavação fornecia abrigo às tropas – portuguesas e espanholas sem que fosse necessário construi-los na rocha do Monte Brasil”. No seu entender, os alegados templos “não passam de cafuas” junto a posições fortificadas, garantindo não haver “um único elemento que assegure a presença” nos Açores de civilizações anteriores ao século XV d.C. – quando se deu a descoberta e povoamento das ilhas açorianas. O conhecimento anterior a esse período é, conforme referiu, “muito rústico”.
“Entre fantasia e realidade”, para Francisco Maduro Dias, a visão apresentada pela APIA tem “muito mais de fantasia”. Sustenta a sua convicção com o facto de que os alegados túmulos e os rituais envolvendo sacrifícios sugerem situações “instaladas”, criando a ideia, errada, de que o território foi ocupado de uma forma organizada por populações antes do século XV. “Tal não corresponde à realidade, até porque os cartagineses nem eram particularmente exímios na arte da navegação”.

ANTES DE 1427
Factos indiciam conhecimento das ilhas

É hoje facto assente que os Açores não eram habitados aquando das primeiras expedições portuguesas, a partir de 1427, por Diogo de Silves (descobriu o arquipélago a partir do Grupo Oriental). Contudo, há factos que indiciam que a existência das ilhas já era conhecida. O cronista Diogo Domes de Sintra refere que o Infante D. Henrique mandou achar as ilhas antes de 1427, pelo que investigadores argumentam que não se manda achar aquilo que se ignora.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

JUSTIÇA E HISTÓRIA


Que função para a História?

Polémica
Família de Silva Pais queixa-se de difamação

PÚBLICO, 2011.Junho.26 | Tiago Bartolomeu Costa

"Os tribunais não fazem história. Ela é feita pelos historiadores"

A PIDE voltou ao tribunal por causa de uma peça de teatro. Fizemos perguntas aos historiadores sobre o caso Silva Pais: é possível determinar a responsabilidade do director da polícia? O julgamento pode fazer história?
A história não é feita pelos tribu¬nais. É esse o entendimento dos his¬toriadores ouvidos pelo PÚBLICO a propósito do julgamento em que a família do último director da PIDE/ DGS, a polícia política do Estado No-vo, se queixa de difamação, e que amanhã tem mais uma sessão no Campus da Justiça, em Lisboa.
Para os historiadores Rui Ramos, Irene Flunser Pimentel e António Costa Pinto, qualquer que seja o resultado do julgamento que opõe os sobrinhos do major Fernando da Silva Pais aos responsáveis pela apresentação de uma peça de teatro em 2007, daí não se poder fazer uma leitura nova da história.
A acusação argumenta que na peça A Filha Rebelde, sobre as relações de Silva Pais com a sua única filha, apresentada no Teatro Nacional D. Maria II, os réus incluíram frases que sugerem a culpabilidade de Silva Pais no assassinato do general Humberto Delgado, em 1965. Por isso, a autora da peça, Margarida da Fonseca Santos, e os ex-directores do teatro, Carlos Fragateiro e José Manuel Castanhei¬ra, incorreram no crime de difama¬ção da memória de pessoa falecida, uma vez que foram anuladas todas as acusações por morte de Silva Pais durante o julgamento militar que de¬correu em 1981. A defesa contrapõe a responsabilidade moral de Silva Pais: a PIDE era uma estrutura hierárquica e o director teria que saber das intenções da equipa que sequestrou e acabou por matar em Espanha o ex-candidato à Presidência da República, que se opôs a Américo Tomás, apoiado pelo regime liderado por António de Oliveira Salazar.
"Não são os juízes, nem os tribunais, os partidos políticos ou os poderes dominantes que fazem a história. Houve sempre um grande esforço nesse sentido e falharam sempre. A história é feita por historiadores", defende Rui Ramos, co-autor do livro História de Portugal e investigador do Instituto de Ciências Sociais, acrescentando que é preciso fazer uma distinção entre o que pertence "ao domínio judicial e ao domínio histórico". "Era bom que, em Portugal, se evitasse que fossem os poderes públicos a intentar as verdades históricas."
O caso é complexo por fazer correr em simultâneo um plano jurídico, defendido pela acusação, e um histórico, oposto pela defesa, afirma Irene Flunser Pimentel, Prémio Pessoa 2007 e autora do livro A PIDE/DGS (1945-1974).
E pergunta a historiadora: "Como vai o tribunal chegar a uma conclusão sobre o que de facto se passou no caso Humberto Delgado e eliminar taxativamente a autoria moral de Fernando da Silva Pais?" ¬ Pa¬ra Irene Pimentel, tal não é possível "porque, historiograficamente, não se sabe" o que aconteceu, "a não ser que apareçam provas diferentes" que o ilibem. Se ninguém pode dizer que a PIDE quis matar Humberto Delgado e que Salazar deu ordem para matar", também "não há nada que prove que o que Silva Pais disse em julgamento, em que a PIDE só queria raptar e trazê-lo para Portugal, seja verdade". "Não chega que uma pessoa acusada, que tem direito à sua defesa, diga que não se quis matar."
Justiça retroactiva
O historiador António Costa Pinto lembra que "as democracias não têm uma memória histórica unificada ofi-cialmente" e que Portugal não teve "um processo de justiça retroactivo", como fizeram muitas democracias contemporâneas, dando o exemplo da Argentina. Esses processos têm uma dupla característica: "A defesa dos direitos do homem e a punição simbólica, às vezes retroactiva, dos passados autoritários." O historiador, também do Instituto de Ciências So¬ciais, diz que Portugal, por oposição, se caracterizou "por um distancia¬mento, após alguma radicalidade mí¬nima no período pós-autoritário".
Não será através deste processo que se vai rever a história, uma vez que "é uma iniciativa da família", continua Costa Pinto. Esta ideia é se¬cundada por Rui Ramos, para quem este "é um caso descontextualizado da história" pela sua dimensão ju¬rídica: "Não penso que condicione o historiador ou legitime determi¬nadas visões em contraponto com outras."
Mas a ausência de um documento que comprove o que muitos assumem como memória colectiva poderá dar razão à acusação? "No campo jurídi¬co, sim, mas não no caso da memória historiográfica ou oficial das institui¬ções políticas", diz Costa Pinto. Irene Pimentel sublinha que "nem tudo é facilmente comprovável". E explica porquê: "Sendo a polícia secreta, que escondia que funcionava com estes métodos, não há documentação que permita dizer por A+B que Fernando da Silva Pais, ou outro qualquer, deu ordem para torturar ou matar."
Qual poderá ser a importância pa¬ra a história deste julgamento?
O carácter procedente deste pro¬cesso será avaliado pelo tribunal, "mas o trabalho de um historiador, sobretudo num caso delicado como este, é o de examinar e interpretar a documentação e formular hipóte-ses que permitam, a partir daquilo que sabemos, determinar também aquilo que não sabemos", explica Ramos. "O trabalho do historiador é também o de desconstruir e exa¬minar a memória colectiva e con¬frontá-la com outro tipo de docu¬mentação e indícios, o que o torna interessante e interpelante para o grande público."
O julgamento do historiador, ao contrário do do tribunal, diz Irene Pimentel, "não é para condenar ou absolver, mas tentar compreender, entendendo sempre que isso será provisório".

25 de Junho - Dia dos Refugiados




No programa de História - 9.º ano, há referência a Aristides de Sousa Mendes, o "Schindler" português, por ter passado milhares de vistos a fugitivos do jugo nazi. No entanto, avultam outros nomes de portugueses que devemos conhecer, irmanados num objectivo que contrariava as directivas do Estado português, isto é, ...

Ousaram desobedecer
In Expresso, 2011.Junho.25


Aristides de Sousa Mendes
Cônsul em Bordéus em 1940, ignorou as ordens de Salazar: deu dez mil vistos a judeus e o dobro a outros refugiados. Salvou, entre outros, a família real Habsburgo ou o governo belga no exílio.



Carlos de Sampayo Garrido
Enquanto embaixador de Portugal em Budapeste, entre 1939 e 1944, arrendou casas e apartamentos para salvar judeus húngaros do assassínio e da deportação.



Alberto Teixeira Branquinho
Sucede a Garrido na Hungria, em 1944, como encarregado de negócios. Autorizou a emissão de mais de 800 salvo-condutos.