terça-feira, 30 de junho de 2009

UNESCO distingue a primeira cidade europeia nos trópicos


Cidade Velha de Cabo Verde é um dos 16 novos sítios Património da Humanidade. É uma estreia deste país africano de expressão portuguesa. Mas a intervenção arquitectónica aí em curso, de Siza Vieira e Helena Albuquerque, tem sido principalmente paga por espanhóis

A Cidade Velha de Cabo Verde é a única presença africana - e tem expressão portuguesa - na lista dos novos sítios classificados pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), na 33.ª sessão do comité do Património da Humanidade que decorreu na última semana em Sevilha, Espanha, e que hoje termina.
A organização avaliou 27 candidaturas e aprovou 11 novos sítios culturais e dois naturais, além da extensão de três outros. Em contrapartida, excluiu o vale do Elba em Dresden, na Alemanha (classificado em 2004), por considerar que o projecto de construção de uma ponte rodoviária no centro da cidade contraria os requisitos da UNESCO. Simultaneamente, entraram agora para a lista do património em risco os monumentos de Mtskhata, na Geórgia, a rede de recifes de Belize e o parque nacional Los Katios, na Colômbia.
A Cidade Velha, na ilha de Santiago, foi fundada em 1462 pelos portugueses segundo "um plano de urbanização ocidental decorrente do modelo renascentista", diz Paulo Pereira, historiador de arte, e foi mesmo "a primeira cidade colonial construída pelos europeus nos trópicos", acrescenta a nota da UNESCO. Foi ainda um importante entreposto comercial e de tráfico de escravos, afirma Paulo Pereira.
A presente classificação (que vem acrescentar-se à recente votação como uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo) veio trazer para a ordem do dia o estado do plano de recuperação patrimonial que para aí foi projectado pelos arquitectos Álvaro Siza Vieira e Helena Albuquerque, há uma década - e que foi tema do documentário, realizado por Catarina Alves Costa, O Arquitecto e a Cidade Velha (2004).
Helena Albuquerque, que viveu vários anos em Cabo Verde, diz-se satisfeita pelo significado que esta classificação tem para a população local. Mas - na ausência de Siza Vieira e falando apenas a título pessoal - lamenta que a intervenção e a cooperação portuguesas relativas ao plano arquitectónico e urbanístico "estejam paradas", e que os trabalhos até agora realizados tenham sido na sua maior parte "subsidiados pelos espanhóis", que aí quiseram preservar a acção desenvolvida no tempo dos Felipes. E cita, em particular, a construção da pousada e a recuperação da fortaleza e do Mosteiro de S. Francisco. "É uma enorme frustração ver que o Governo português não tenha dado sequência a esta intervenção", que Helena Albuquerque considera que seria "prioritária, e teria um custo reduzido", para a melhoria das condições de vida da comunidade local, que vai pouco além dos mil habitantes.
Um farol da humanidade
"O mundo diz-nos que sim, que o nosso farol é de toda a humanidade." A afirmação do alcaide socialista da Corunha, Javier Losada, ontem citada pelo El País, celebra a entrada na lista do mais antigo farol em todo o mundo ainda em actividade, conhecido como Torre de Hércules e ex libris desta cidade-porto da Galiza. É uma construção do século I, que faz da Espanha, agora com 40 sítios classificados, o segundo país mais citado na lista da UNESCO, logo a seguir a Itália.
A restante lista distingue mais nove complexos culturais e dois sítios naturais. Estes são o mar de Wadden, que banha a Alemanha e a Holanda e é um ecossistema temperado com uma multiplicidade de habitats naturais; e os montes Dolomitas, uma cadeia nos Alpes italianos que tem 18 picos com mais de 3000 metros de altitude.
Os sítios culturais são: o palácio Stoclet, em Bruxelas, um projecto de 1905 do arquitecto Josef Hoffmann, que foi construído para o banqueiro e coleccionador Adolphe Stoclet; as ruínas de Loropéni, no Burkina Faso, uma fortificação em pedra na região de Lóbi, na rota subsariana do ouro; o monte Wutai, no Norte da China, um complexo de mais de 50 mosteiros e que é uma dos lugares sagrados do budismo; o sistema hidráulico de Shushtar, no Irão, mandado construir por Dario, o Grande (séculos V e IV a.C.), uma rede de canais no rio Kârun, um dos quais ainda fornece água à cidade de Shushtar; a montanha sagrada de Sulamain-Too, no Quirguistão, no cruzamento da rota da seda na Ásia Central; a cidade sagrada de Caral-Supe, no Peru, um sítio arqueológico com 5000 anos que é a mais antiga cidade do género nas Américas; os túmulos reais da dinastia Joseon, na Coreia do Sul, um complexo de 40 sepulturas construídas em 18 sítios diferentes; a ponte-canal e o canal de Pontcysyllte, no Nordeste do País de Gales, construídos no século XIX, com uma extensão de 18 quilómetros e que é a expressão do génio civil da Revolução Industrial; e La Chaux-de-Fonds/Le Locle, duas cidades vizinhas nos montes do Jura, na Suíça, urbanizações do século XIX planificadas com o objectivo da servir a indústria relojoeira.

in (PÚBLICO) 30.06.2009, Sérgio C. Andrade

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Na Índia, Marrocos, Cabo Verde, Macau e Brasil moram as 7 Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo

Costuma dizer-se que a primeira globalização foi a portuguesa e essa universalidade está bem patente nos monumentos anunciados ontem à noite, numa gala em Portimão, como as 7 Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo. Fortaleza de Diu (Índia), Fortaleza de Mazagão (Marrocos), Basílica do Bom Jesus de Goa (Índia), Cidade Velha de Santiago (Cabo Verde), Igreja de São Paulo (Macau), Convento de São Francisco de Assis da Penitência (Ouro Preto, Brasil) e Convento de São Francisco e Ordem Terceira (Salvador da Baía, Brasil) foram as eleitas, em representação dos três continentes - América, África e Ásia - que fizeram a história da expansão marítima portuguesa. Na votação participaram 239.418 pessoas, que puderam votar pela Internet, telefone e SMS.O critério adoptado na identificação dos monumentos a concurso - 27 em 16 diferentes países - consistia no seu valor histórico e patrimonial. Cerca de duas mil pessoas assistiram ontem à declaração oficial dos vencedores, na Arena de Portimão, entre elas o ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, em representação do Governo português. Na gala actuaram vários nomes da música como Daniela Mercury, Maria João, Boss AC, Paulo Gonzo, Ricardo Ribeiro e Rabih Abou-Khali, Rui Veloso e Tito Paris. Relevar a presença de Portugal no mundo e projectar uma ideia cosmopolita do país eram, segundo a organização da New 7 Wonders, os objectivos da cerimónia. No final do espectáculo foi anunciada a realização de mais uma iniciativa do género, as 7 Maravilhas Naturais de Portugal, cuja declaração oficial será em 2010, nos Açores.As 7 Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo foram criadas no contexto da declaração oficial das Novas 7 Maravilhas do Mundo, que aconteceu em Lisboa há dois anos. Nessa altura, em paralelo, foi organizada a eleição das 7 Maravilhas de Portugal, numa votação que envolveu cerca de 350 mil portugueses. Dos 21 monumentos que foram a votação, os escolhidos foram o Mosteiro de Alcobaça, o Mosteiro dos Jerónimos, o Palácio da Pena, o Mosteiro da Batalha, o Castelo de Óbidos, a Torre de Belém e o Castelo de Guimarães. 239 mil Na votação participaram 239.418 pessoas. Agora seguem--se, em 2010, as 7 Maravilhas Naturais de Portugal
in PÚBLICO 11.06.2009, Vítor Belanciano

Monumento em Ponte de Lima evoca lenda do Lethes

No dia em que Ponte de Lima revive a secular tradição da Vaca das Cordas, a câmara municipal inaugura, em ambas as margens do rio Lima, mesmo em frente à vila, um conjunto escultórico, evocativo da lenda do rio Lethes, rio do Esquecimento. As estátuas, com assinatura dos artistas plásticos Salvador Viera e Mário Rocha, pretendem perpetuar a passagem do general romano Decius Junius Brutus, e das suas tropas, por Ponte de Lima, no ano 135 a.C.
O episódio chegou aos nossos dias pelas palavras, por exemplo, de Almada Negreiros: "Comandadas por Decius Junius Brutus, as hostes romanas atingiram a margem esquerda do Lima no ano 135 a.C. A beleza do lugar as fez julgarem-se perante o lendário rio Lethes, que apagava todas as lembranças da memória de quem o atravessasse. Os soldados negaram-se a atravessá-lo. Então, o comandante passou e, da outra margem, chamou a cada soldado pelo seu nome. Assim lhes provou não ser esse o rio do Esquecimento." O monumento que reproduz a figura do comandante romano vai ficar instalado na margem direita do Lima,e o dos soldados no areal da margem esquerda. Ambos são em ferro e granito, e maiores do que o tamanho real.
in (PÚBLICO) 10.06.2009, Andrea Cruz

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Sete Maravilhas criticado por escamotear esclavagismo

(PÚBLICO) 03.06.2009, Sérgio C. Andrade

A uma semana da cerimónia de anúncio dos sítios vencedores e a quatro dias do fim da votação, o concurso 7 Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo continua a gerar controvérsia. Ela surgiu agora na Internet, através de uma subscrição lançada por historiadores de várias universidades espalhadas pelo mundo, que contestam o facto de a informação associada aos sítios citados escamotear o papel histórico de Portugal na exploração do trabalho escravo. "Para ser fiel à história e moralmente responsável, consideramos que a inclusão desses 'monumentos' no dito concurso deveria ser acompanhada de informações completas sobre o papel deles no tráfico atlântico", diz o documento, que tem versões em português, francês e inglês.Entre os mais de 400 subscritores estão professores de universidades norte-americanas, do Canadá, Brasil e França, além da Universidade Nova de Lisboa. E estão os historiadores portugueses António Hespanha, que presidiu à Comissão dos Descobrimentos, Boaventura Sousa Santos, do Centro de Documentação 25 de Abril, e Miguel Portas, eurodeputado do Bloco de Esquerda.Dos 27 sítios e monumentos distribuídos por 16 países e três continentes colocados a votação, os subscritores referem especificamente a fortaleza de S. Jorge da Mina (Gana), a Cidade Velha na ilha de Santiago (Cabo Verde) e a Ilha de Moçambique, como lugares historicamente associados ao tráfego de escravos. E lembram que Portugal e, depois, o Brasil foram "responsáveis por quase metade dos 12 milhões de cativos transportados através do Atlântico". Lamentam, por isso, que o Governo português e instituições como a Universidade de Coimbra patrocinem esta iniciativa sem cuidar "da dor daqueles que tiveram antepassados seus deportados desses entrepostos comerciais e muitas vezes ali mortos".O historiador Pedro Dias, da Universidade de Coimbra, responsável científico pela escolha dos sítios, responde que os textos sobre cada um deles dizem apenas respeito "à sua dimensão histórico-artística". "Praticamente, e até ao século XIX, houve comércio de escravos em todos esses sítios", nota o ex-director da Torre do Tombo. "Mas isso não é relevante para o concurso", que tem essencialmente uma dimensão "estética e lúdica", defende Pedro Dias, recusando estar a esconder essa vertente, que marcou não só a história portuguesa, mas a de toda a humanidade.
Pedro Dias, responsável pela escolha dos sítios a concurso, diz que este tem uma vocação mais estética do que histórica